Entre atraso regulatório, pesquisas avançadas e movimentações globais, o setor da cannabis segue estratégico para saúde, economia e política, no Brasil, EUA e Europa.

No Brasil, além do impasse sobre a regulamentação que acumula pedidos de prorrogação, cresce a tensão causada pela operação policial contra a Associação Santa Gaia, provocando mobilização social e debate essencial sobre o acesso legítimo a tratamentos.

O cenário reforça que ciência, mercado e regulação caminham em ritmos distintos, mas apontam para a consolidação de um ecossistema global.

Crise na Santa Gaia e mobilização nacional

A operação policial que interditou e apreendeu medicamentos da Associação Santa Gaia, em Lins (SP), provocou uma onda de indignação e solidariedade nacional. A entidade, responsável por atender mais de 9 mil pacientes com óleo de cannabis medicinal, teve suas instalações invadidas e sua produção destruída, levando à prisão do presidente Guilherme Viel.

A ação foi amplamente criticada por autoridades e parlamentares, incluindo Érika Hilton, que denunciou o caso ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e classificou a operação como ilegal, e Eduardo Suplicy, que se uniu a lideranças políticas e pacientes na defesa da retomada das atividades da associação.

Nas redes sociais, mães de crianças autistas, idosos com doenças degenerativas e pacientes oncológicos divulgaram depoimentos emocionantes sobre a interrupção do tratamento, enquanto vídeos e publicações da campanha “Liberdade a Guilherme Viel” se espalharam pelo país.

O movimento evidenciou o papel essencial das associações canábicas no acesso a medicamentos e reacendeu o debate sobre a urgência da regulamentação federal, que possa proteger e legitimar quem atua no cuidado e na pesquisa com base científica.

Brasil: após pedido de mais prazo, STJ mantém pressão

A Advocacia-Geral da União (AGU) solicitou à Justiça uma prorrogação de 180 dias para a conclusão da regulamentação do uso medicinal da Cannabis, envolvendo parâmetros técnicos de cultivo, extração e distribuição. O pedido ocorre em meio à cobrança do STJ para que União e Anvisa apresentem resultados concretos sobre o cumprimento do cronograma de regulamentação.

A decisão reforça que o impasse regulatório no Brasil persiste, mesmo com ampla expectativa de médicos, pacientes e pesquisadores pelo avanço das normas.

Pesquisa e mercado: estudo clínico e potencial bilionário

Enquanto o governo brasileiro atrasa normas, a ciência e a economia mundial avançam. Um estudo clínico de fase III, realizado na Alemanha e Áustria, mostrou que extrato de Cannabis reduz a dor lombar crônica sem risco de dependência, reforçando o potencial terapêutico da planta.

Na esfera econômica, a Embrapa aponta que o setor da Cannabis regulado poderia gerar R$ 5,76 bilhões até 2030, comparável à expansão da soja em novas regiões.

Ainda no campo farmacêutico, um bilionário europeu anunciou o desenvolvimento de um analgésico à base de Cannabis (Ver‑01) com potencial para substituir opióides, reforçando a inovação no tratamento da dor.

Agricultura: testes de cânhamo industrial em seis estados

O cânhamo industrial ganhou destaque com produtores de seis estados brasileiros (Paraná, Minas Gerais, Goiás, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul) planejando cultivos experimentais para 2026. O objetivo é preparar o setor para produção de fibras, biocompostos e insumos farmacêuticos, alinhando ciência, indústria e políticas públicas.

Justiça: STJ define responsabilidades e RS autoriza cultivo doméstico

No plano judicial, o STJ reafirmou que a fiscalização do cultivo medicinal é responsabilidade do Estado e não do paciente, estabelecendo precedente importante para reduzir litígios e orientar a atuação de órgãos públicos.

No Rio Grande do Sul, a Defensoria Pública obteve decisão autorizando um paciente a cultivar Cannabis para uso medicinal, mostrando que a via judicial ainda é fundamental para garantir acesso a tratamentos.

EUA: greves, mercado e CBD para idosos

Nos Estados Unidos, a indústria enfrentou greves recordes em cultivos e distribuidoras, revelando tensões trabalhistas que afetam produção e distribuição.

No mesmo período, Trump divulgou vídeo defendendo o uso medicinal de CBD para idosos, influenciando políticas e provocando alta nas ações de empresas como Tilray, Canopy Growth e Cronos.

Europa: Alemanha consolida, UE debate reconhecimento do hemp

Na Alemanha, a legalização da Cannabis medicinal e adulta reduziu o mercado ilícito em quase 90%, segundo estudo recente, mostrando resultados positivos do modelo regulatório.

A União Europeia continua debatendo o reconhecimento da flor do cânhamo como cultura agrícola, medida que pode destravar subsídios, financiamentos e abertura de mercado para produtores e empresas. Países como Itália e Alemanha ainda enfrentam entraves burocráticos e limitações locais.

Panorama: entre atraso, ciência e expansão global

Entrando na reta final de 2025, o Brasil seguiu em compasso de espera, com governo pedindo mais prazo e STJ pressionando por respostas, enquanto pesquisas clínicas e projetos agrícolas mostram maturidade do setor.

Nos EUA, greves e debates sobre CBD evidenciam a complexidade do mercado e a pressão por regulação clara. Na Europa, resultados de políticas recentes e discussões legislativas preparam o terreno para expansão do cânhamo e do mercado medicinal. O setor global segue otimista, com produtos infundidos, novos medicamentos e oportunidades econômicas crescendo em paralelo às mudanças regulatórias.

Texto: Brayan Valencio